“Se não existe benchmark, o benchmark será você”

Suzana Ribeiro
5 min readAug 19, 2020

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Por Cláudia Casanova e Suzana Ribeiro

Graduada em letras e redatora profissional há seis anos, Aline Galvão migrou para UX em 2017, mas já escreveu um capítulo importante da história do UX Writing no Brasil. Ela foi uma das responsáveis pelo conteúdo do banco digital C6, que estreou fazendo barulho em 2019 e conquistou os corações dos profissionais da área pela proposta inovadora da experiência.

Bem-humorada, curiosa e cheia de personalidade, Aline divide com a gente um pouco das dores e delícias de sua jornada no mundo da escrita para produtos digitais, além de muitas dicas preciosas sobre o tema.

Uxwriting_br: Para começar, conte um pouquinho como foi sua trajetória profissional até se tornar UX Writer.

Aline Galvão: Eu comecei a escrever profissionalmente há 6 anos. Passei por agências publicitárias e trabalhei bastante com social CRM e conteúdo até “virar cliente”. A migração para área de UX começou em 2017, quando passei a escrever textos que precisavam ter coerência e consistência em todas as plataformas (site, app, campanhas físicas etc). Comecei a estudar mais o tema e me envolver muito com produto e UX.

UXW_br: Quando o C6 foi lançado, uma das funcionalidades mais elogiadas foi o onboarding — foi inclusive destaque no nosso perfil. Você pode contar um pouco dessa história? Como foi arquitetar, desenhar e escrever esse fluxo? Demorou muito tempo? Quais foram os processos envolvidos?

Aline Galvão: O onboarding foi uma experiência e tanto! O curioso é que a experiência de abertura de conta já estava praticamente pronta em outro formato, poucos meses antes do lançamento do banco. Mesmo assim, queríamos algo inovador, que fosse rápido, prático e surpreendesse as pessoas. O time de UX discutiu algumas estratégias com stakeholders e chegamos ao formato chat, que imita um chatbot. E não havia nada parecido no Brasil!

O principal designer que participou da concepção desse fluxo também, o Nelson Vasconcelos, ouviu comigo uma das frases mais marcantes da minha carreira: “se não existe benchmark, o benchmark será você”.

Foi bem pesado: nos trancamos numa sala, comecei a organizar as saudações e criar sentenças curtas para um ambiente informal, mas não muito — afinal, era um banco — e dividir em “blocos”.

Explico: era importante dar instruções iniciais, dizer quais seriam os documentos usados durante a abertura, por exemplo. Deixar os dados pessoais primeiro por serem mais “fáceis”, informações sobre profissão e renda por último (depois que o usuário já se sentia mais confiante) e com o cuidado de não usar gênero masculino, nem usar expressões duras ou termos em “banquês”(apesar de uma resolução do Banco Central específica para abertura de conta).

Foi um processo intenso e maluco, mas todos estavam comprometidos. O trabalho de pesquisa e criação durou pouco tempo, cerca de 2 semanas, mas a validação de texto com os stakeholders, as reuniões com o time de tecnologia para viabilizar as alterações, em comparação com a experiência original e os testes duraram alguns meses.

Testamos o fluxo com os usuários e eles ficavam encantados com a rapidez, muitos achavam mesmo que estavam falando com uma pessoa durante o processo de abertura. Foi um trabalho lindo e muito colaborativo, tanto que recebemos um prêmio de melhor experiência de abertura de conta digital.

UXW_br: E, de forma geral, como é o processo de UX Writing em uma grande fintech? Que tipo de documentação você criou e como faz a gestão de conteúdos?

Aline Galvão: O processo envolve muitas camadas: entrevistas, validação com as áreas envolvidas (tecnologia, produto, segurança, jurídico, marketing, além da diretoria), testes e muitas discussões sobre o fluxo, sobre o tom e sobre essa abordagem nova. Na época, eu já tinha criado o manual de tom e voz para produto, isso ajudou a manter as características da marca e o cuidado com a linguagem durante todo o processo.

UXW_br: Falando em fintechs, que dicas você daria para quem precisa criar conteúdo com foco na experiência do usuário para produtos financeiros e bancários?

Aline Galvão: Pesquise referências, seja ético e direto. Os clientes/usuários não aguentam mais letras miúdas, textos enormes e palavras que eles não entendem!

Além disso, durante as entrevistas com usuários e testes de usabilidade, grande parte das pessoas relatou percepções parecidas: “não aguento mais me sentir enganado pelo banco”, “o banco rouba meu dinheiro”, “eu não sei o que eu tenho direito no meu pacote”.

Se você quer ser digital e inovador, precisa ser transparente e coerente. Eu trabalhei em um banco tradicional há mais de 10 anos e uma superintendente dizia: “o banco é o único lugar em que o cliente vem todos os dias, até quando não vem, porque o dinheiro dele está lá”. Hoje, com o acesso na palma da mão, muitos vão ao banco de hora em hora, temos que ser claros e diretos.

UXW_br: Ainda nesse tema, como você enxerga a importância dos chatbots para fintechs e bancos digitais?

Aline Galvão: Eu acredito que é uma revolução! A automatização desse contato é importante porque muitos clientes ainda recorrem ao atendimento (por telefone ou chat humano) para ter acesso a informações transacionais (saldo, dia de vencimento de fatura, envio de documentos para aumento de limite etc). Assim, quanto mais próximo do “humano” o chatbot puder ser, mais ágil e transparente será o atendimento.

UXW_br: Agora, vamos falar de parte prática: como você costuma testar os textos com seus usuários (ou qual a melhor forma de testar textos com os usuários)?

Aline Galvão: Testes de usabilidade (com navegação por fluxo) geram muito insight com contexto e assertividade para o produto, eu gosto bastante. Card sorting também é um recurso interessante e que já me rendeu boas horas de trabalho!

UXW_br: Na sua opinião, como as empresas enxergam o papel e o valor do UX Writer? E como você enxerga a evolução desses profissionais?

Aline Galvão: Muitas empresas precisam da pessoa que exerça esse papel de maneira ativa (mão na massa), mas questionam muito as decisões tomadas. Isso é bem desgastante. São muitas horas de pesquisa, inúmeras referências, muito estudo, muito tempo escrevendo e reescrevendo pra ter uma linha de texto útil.

Acredito que ganharemos espaço, pois cresce a necessidade de material de apoio para lidar com softwares (entram aqui o Technical Writer e o Web Writer, por exemplo) e quase tudo é feito por meio de apps/site hoje em dia, a voz e as palavras são recursos que ainda podem ser muito explorados.

Sei que ainda não existe um plano de carreira linear, na maior parte das empresas, mas se mostrarmos o nosso valor com resultados, a tendência é que o destaque para essa ocupação aumente.

UXW_br: E pra terminar, onde você busca inspiração para se manter informada sobre UX e quem são suas referências?

Aline Galvão: Eu consumo de tudo e em muitas plataformas! Baixo muito app só pra ler conteúdo, li o Redação Estratégica para UX, da Torrey Podmajersky e uso como livro de trabalho.

Sigo as hashtags relacionadas ao tema nas redes sociais, como #uxwriter, #uxwriting, #conteudoUX, acompanho diariamente o Coletivo UX, UX Mania e UX Planet e sigo as referências da área no Linkedin e onde mais puder!

Sou fã e acompanho todas as dicas de algumas pessoas: Cris Lucker, Ludmila Rocha, Ariana Dias, Evilanne Brandão, Davi Defensor, Luiz de Carvalho, Kinneret Yifrah e vocês do UX Writing BR.

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Suzana Ribeiro

Content Designer | UX Writer Gosto de resolver problemas complicados e de adotar gatos,